Nada Ortodoxa

Me sinto muito feliz por finalmente ver filmes que retratam histórias de mulheres que não tem como foco principal o encontro de um par perfeito. Nada Ortodoxa retrata a história de uma mulher que abandona uma comunidade judaica ultra-ortodoxa em Nova Iorque. Eu, que já frequentei a Igreja Universal, enquanto morava com os meus pais, me identifiquei sobremaneira.

Eu poderia falar de várias aspectos da história da protagonista, mas hoje vou me deter a crítica ao amor romântico. Várias religiões estruturam seus discursos a partir da noção de família. Embora nem todo religioso siga a risca esses valores, os mais tradicionais, tendem a colocar a constituição e consolidação da família como o principal sentido da nossa existência. Mas eu vejo muito sofrimento decorrente desse ideal. A grande maioria das pessoas ao meu redor simplesmente não conseguem atingir esse modelo, e muitas parecem carregar um sentimento de frustração, inadequação, impotência. Apesar da promessa de felicidade no seio familiar, vejo dor. Por isso, sempre que esses valores forem apontados como absolutos, irei me opor.

Tenho boas memórias da minha infância, amo e sou grata aos meus pais. Mas como acontece com boa parte dos casais heterossexuais que posso observar, haviam muitas confusões entre eles. Acho sensível falar sobre isso, mas a verdade é que eles não precisariam se envergonhar, porque embora muitas vezes nos façam acreditar que casais conflituosos sejam exceção, na verdade são regra. Qualquer ida ao espaço público onde você se deixe observar como as pessoas se portam, evidencia isso.

Apesar dessa vivência, ao longo da adolescência eu desejava encontrar a alma gêmea. É que afastada do mundo real, eu achava que minha vida era exceção. Com 15 anos de idade a gente não sabe muito sobre o mundo e as famílias tradicionais contribuem para nos manter alheias. Uma família católica não é tão radical quanto uma judia ultra-ortodoxa, afinal as católicas até podem usar calça... Mas na essência as opressões são bem similares. Persistem: o controle sobre a aparência, a objetificação, a sexualização precoce. A gente acaba introjetando uma série de controles, a ponto de acharmos que realmente vamos morrer se rompermos os limites.

Para mim não houve felicidade no amor romântico. O que me permitiu ter felicidade genuína foi estudar. Apesar de ter nascido mulher, nasci branca, o que me poupou de uma série de estresses. Sou grata pela oportunidade ter me graduado e pós-graduado, o que me permite gozar de um "teto todo meu". Nesse cenário é até possível construir uma parceria afetiva. Parceria na qual escolho estar a cada dia por amor e não para satisfazer anseios familiares, a sociedade ou para pagar minhas contas.