Concerto

Não faz parte do meu cotidiano ir a concertos. Eu poderia narrar aqui cada uma das vezes que fui a um. Foram poucos, portanto me lembro nitidamente dos dias. Se duvidar, digo até como eu estava vestida.

A primeira vez, fui ver a orquestra sinfônica de São Paulo, no Teatro Deodoro, em Maceió. Usei uma saia de malha preta, com pequenas estampas brancas e uma blusa, também preta. Acho engraçado conseguir descrever o modo como eu me trajava no dia. Isso só é possível porque toda a cena está vívida na minha mente.

Fui sozinha e sentei ao lado de um senhor que fazia parte da empresa patrocinadora do espetáculo. Se não me engano, ele era da Sony. Me confessou estar acompanhando a turnê Brasil afora. Ele não compartilhava da minha ansiedade de ver uma sinfônica pela primeira vez. Já tinha se acostumado. Eu, ao contrário, estava ali pela primeira vez e felicíssima.

Apesar de toda minha expectativa, esqueci qual foi o repertório do dia. Mas me recordo da comoção de ouvir os vários instrumentos soando juntos. De como a música preenchia o teatro. Preenchia meus ouvidos. Da comoção geral. Da platéia aplaudindo efusivamente.

É uma memória agradável.

Mas o engraçado de tudo isso é como essa cena surge na minha cabeça (e o que me fez escrever essa crônica). Quando vou escrever algo como "preciso consertar a tela do meu celular" e vem a dúvida "consertar, de arrumar, ajeitar, é com cê ou com esse?", eu lembro dos vários instrumentos soando em conjunto, em harmonia, em concerto. A palavra concerto, surge clara, em letras pretas. Concerto com "c".

O outro é ao contrário: conserto, com "s". Lembro de uma oficina com sons incômodos. Martelo batendo, o serrote cortando um pedaço de madeira...

Inflação da escrita

Vejo as pessoas ansiosas para escreverem artigos acadêmicos. Ansiosas para baterem metas numéricas: dez ou três artigos por ano? Publicar em espaços que proporcionem maior pontuação. Mas também vejo as mesmas pessoas a dizer: faz tempo que não consigo ler um livro por lazer. Não tenho tempo para dormir, tomar um chope, ver um filme. Será que sobra tempo pra namorar? E pra olhar pra o teto ouvindo música?

Nessa de dizer que precisam urgentemente escrever, nunca falam sobre seus temas, suas indagações, aquilo que lhes inquieta. Escrevem para publicar, não para serem lidos. Eu mesma não tive tempo de ler a monografia dos meus amigos de mestrado. Nem eles a minha. Muito se fala que o homem moderno não é culto, que perdemos o hábito da leitura. Pudera... Ainda somos máquina na era da informação.

Temos que produzir. Pensar é secundário. Divertir-se é secundário. Descansar é secundário. Escrevemos mais que nossa capacidade de ler e digerir. Dedicamos mais horas a escrita do que a leitura. E sem sorver o mundo, vamos escrever sobre o que? Sobre a escrita? Sobre o que já foi dito, apenas milimetricamente modificado? Assim como o silêncio, seria preciso apreciar a ausência da escrita. Nenhum teclado sendo dedilhado. Silêncio. No hay escrita.

Política

Eu tinha pensado em escrever sobre a situação política no Brasil, mas acabei perdendo a vontade. Logo após a repercussão da condução coercitiva de Lula e o desdobrar dos fatos, com pessoas indo as ruas, parecia que o Brasil tinha saído da inércia. Mas agora parece que tudo voltou ao estado de sempre. Saiu a lista da Odebrecht e ao invés de uma nova tomada da rua, voltou a tradicional rabugentisse facebookiana: não se salva um político no Brasil. E apesar do frequente "deveríamos nos unir contra essa corrupção" não vejo um movimento além desse comentário. Ver esse cenário me lembra porque abandonei essa rede social. Me parece que houve protesto contra a rede globo, mas nada que tenha sensibilizado fortemente as massas. Parece que agora vamos assistir a um bizarro processo de impeachment xingando ou aplaudindo virtualmente, mas apenas como expectadores, como se os rumos da política não nos dissesse respeito.

Elefante Branco

Fazia muito tempo que eu havia baixado esse filme. Tenho me interessado pelo cinema argentino. Mas até então havia assistido filmes onde predomina o humor. Em elefante branco não há espaço para o riso. Apesar das belas paisagens, não há também espaço para o encantamento. A situação retratada é tristemente real: a comunidade e uma paróquia buscam dar uso a um gigantesco hospital, cuja construção foi largada no meio do caminho.

A favela, com suas casas precárias, além de sofrer com o abandono das autoridades, fica no meio de uma guerra entre dois grupos de traficantes. Curiosamente, o nome da favela é "cidade oculta". Diante dessa lastimável realidade, o que mais me chamou atenção no filme é a alternância entre o cenário da favela e os suntuosos espaços da igreja católicas, por revezes revestidos por ouro.

Por fim, o filme nos toca através de seus personagens: humanos, falhos e sobretudo cansados.

Se Elefante Branco não nos deixa feliz, se não renova nossas esperanças, é um filme necessário.

E se não tivesse avião?

Depois de velha, passei a ter uns medos bobos. Medo de elevador e avião. Quando eu era criança eu adorava viajar de avião. Gostava da carreira antes da decolagem, da comida e de finalmente desembarcar nas férias. Viajar de férias era promessa de diversão. Na volta, a saudade de casa tornava a viagem uma promessa de reecontrar o aconchego de casa. There is no place like home.

Não sei exatamente quando comecei a ter medo de avião. De repente os barulhos me assustavam, o chão parecia mais quente que o normal e bastava uma turbulência pra eu achar que íamos cair.

Talvez o medo tenha vindo naquele dia que o avião arremeteu chegando em Brasília. Ficamos rodando no ar. Ninguém falava nada, nem respirava. Até a aeromoça explicar a situação acho que estávamos todos com medo da morte. Todos rezando, cristãos e ateus.

Ando cansada desse medo. Quero ainda fazer viagens maiores. Imagina passar 12 horas com medo? Tensa? Ansiosa pela chegada? Se drogar é sempre uma alternativa, mas não gosto muito dessa solução, prefiro ficar lúcida. Pensando nas viagens que quero fazer e no medo de avião, me veio a ideia "e se não existisse avião?".

Se não existisse avião, pensei primeiro, as pessoas teriam muito mais trabalho pra visitar seus parentes. Mas por que a gente se espalha tanto pelo mundo? Eu tenho família quase no Brasil inteiro: Nordeste, Centro-oeste, Sudeste. Fiquei pensando que se não tivesse avião, eu talvez nunca tivesse saído do Rio de Janeiro. Pera aí! Se não tivesse avião, talvez eu nunca nascesse. Porque talvez minha mãe não teria ido passar as férias no Rio e não teria conhecido meu pai. Talvez eles não tivessem casado em Maceió e partido para o Rio.

Se não tivesse avião, talvez não teria Larissa.

Eu não tenho TV

Faz tanto tempo que não tenho televisão que me surpreendo por as pessoas se assustarem quando descobrem que eu não tenho TV.

Deixei de assistir tv de modo gradativo. Durante a graduação minha rotina era intensa e a tv compartilhada por muita gente. A linguagem e mensagem da televisão foi aos poucos deixando de fazer sentido pra mim. E falo de tv de modo amplo, seja aberta ou fechada, nacional ou internacional.

Lembro que no meu perfil do Orkut, na parte de programas de televisão eu dizia que só assistia a vídeos do YouTube, indicados por amigos.

Quando me formei, fui pra Teresina morar num quarto de hotel desativado. Até tinha tv lá, só que não funcionava. Depois de dois anos eu já estava adaptada a completa ausência dos programas de televisão na minha vida.

Fazia mestrado e "trabalhava" no Iphan. Isso ocupava boa parte das horas do meu dia. Tinha que me virar cuidando de mim e da minha "casa". Ver os amigos. E enfim, sempre tive computador para "perder tempo".

Quando vim para Recife, fui morar com Thiago, que para minha alegria também não tinha televisão em casa. Atualmente estou morando só novamente e contínuo sem tv.

Alguns me perguntam como consigo ficar sozinha no silêncio. Bom, o silêncio não é necessariamente perturbador para mim. Eu inclusive aprecio e sinto falta do silêncio. Por outro lado, como tenho computador e celular, há sempre a possibilidade de ouvir músicas.

Outra questão comum é como faço para me manter informada. Particularmente não acredito na televisão como melhor meio de informação. Leio blogs, portais de notícias, converso com as pessoas na rua.

Sou feliz sem televisão e pretendo continuar assim.

Conhecendo Recife

Faz quase três anos que estou morando por aqui por Recife. A vida vai num ritmo que acabo não curtindo tanto a cidade.

Mas ando me esforçando pra mudar isso e esse foi um mês que consegui conhecer bastante coisa. Sozinha, fui no Museu do Homem do Nordeste, no Paço do Frevo.

Esse fim de semana, passei com Thiago. Visitamos o Parque 13 de Maio. Almoçamos no Central, que não foi novidade, mas valeu a pena refazer o programa e comer a mesma coisa, acompanhada de uma cerveja gelada. Conhecemos dois sebos. Arrematei um Milan Kundera e fiquei em êxtase vendo exemplares da década de 1930. Se o dia terminasse assim, eu já estaria feliz.

Mas quando votamos para casa vi que Permanência, filme que eu estava com vontade de ver estava passando no cine São Luiz. Faz muito tempo que esse lugar está na minha lista mental de lugares pra visitar. Estávamos cansados, mas mesmo assim Thiago topou e lá fomos nós visitar mais um recanto recifense.

Foi maravilhoso! O cine São Luiz comove de tão bonito.

Pra terminar o dia, nada como um crepe no Montmartre. Outro velho conhecido que sempre vale a pena repetir.

Amantes passageiros

Mais um filme típico de Almodóvar. Uma comédia nonsense de cores vibrantes.

A situação é improvável, uma distração dos funcionários em terra fez emperrar o trilho de pouso. Resultado: os pilotos precisarão fazer um pouso emergencial, em uma pista totalmente livre.

Prevendo que informar a tripulação sobre o caso poderia causar pânico, os comissários resolvem a questão de forma eficiente e imoral: dopam toda a classe econômica.

Como os passageiros da classe econômica dormem o filme inteiro, a maior parte das cenas se passam na primeira classe, na ala dos comissários e na cabine dos pilotos.

É um enredo divertido e inusitado.

Her

Fiquei apaixonada pelas cores do poster do filme. Criei a expectativa de cenas cheias de contrastes cromáticos. Embora o filme tenha uma paleta própria, com "candy colors", as cenas não me pareceram tão ricas no quesito cor.

"O fabuloso destino de Amelie Poulain" foi um dos primeiros filmes onde comecei a prestar atenção como algumas cenas do cinema parecem quadros cuidadosamente coloridos. "Grande hotel Budapeste" é outra paixão minha. Não encontrei esse primor em Her. As "candy colors" pareceram estar no filme para compor um futuro hipster. Os cenários e o vestuário pareciam com o mundo do Pinterest.

Sobre a história em si, posso dizer que seu mérito é nos fazer refletir sobre o que procuramos nas nossas relações amorosas.

Blind

É uma história sobre uma mulher que perdeu a visão e um pouco do gosto pela vida. A personagem não se sente preparada para enfrentar a rua. Passa seus dias em casa, escrevendo um romance.

Apesar de ter gostado do filme, ele não me impactou tanto. Já se passaram alguns dias que assisti e a lembrança do filme está bastante difusa.