Tristeza

Penso que as pessoas não merecem um texto sobre a tristeza. Mas percebo que quando ela se instala no peito precisamos acolhê-la. A gente deixa a tristeza se esconder cá dentro, ela nos embota a vista e anestesia a língua. Mas se a gente usa uma voz branda, aceita se recolher um tiquinho, a tristeza vai saindo de fininho, do mesmo jeito que chegou.

Todo poeta escreve sobre o amor. Alguns escrevem sobre a tristeza, é verdade. Mas nem de longe esses textos são tão prestigiados quanto os românticos. Quando se aceita a tristeza é porque é decorrente de um amor dilacerado. A tristeza sem motivo não rende rimas populares.

Assim a tristeza se recente e finca o pé em nossas vidas. Exige respeito tal qual a felicidade, a saudade, a paixão. "A tristeza é senhora" e precisa descansar.

Fazendo a Clarice

Hoje eu vou experimentar um pouco da escrita automática. Apenas para ressuscitar esse espaço daqui. Sou repetitiva em escrever que é difícil escrever na era do excesso de informação. Todo mundo que eu conheço tá correndo e cansado. Quando vai ler algo tem que ser ou alguma coisa que resolva uma treta da vida ou um texto muito potente.

E textos úteis assim dificilmente saem de escrita automática. Nos roubaram o tempo de entrar nos devaneios dos amigos. Tudo é objetivo, cronometrado, financerizado. E isso é uma afirmação melancólica. Mas os amigo tão pouco têem tempo para a melancolia. Pandemia, pobreza crescente já são suficientes. Quando vamos ler queremos um texto que nos dê afago.

Surge aí o impasse... pq eu também não tenho mais neurônios que me ditem poesias ou crônicas.

Crise na educação?

(texto escrito em 16/12/2020)

Eu acredito que estamos sim passando por uma crise econômica. Acredito também que as empresas da educação sofreram perdas nos lucros, devido ao endividamento da população brasileira que se inicia em 2012 (DOWBOR, 2020) e só vem piorando. Essa redução de lucros no entanto passa ao largo do endividamento dos acionistas, visto que estes ocupam o topo da pirâmide financeira. E bom quando uma empresa qualquer dá preju, o acionista vai tirar o dinheiro dele da educação e jogar em soja, fintech ou qualquer outra coisa que for mais lucrativa no momento.  É por isso que aspectos básicos da manutenção da vida não podem ser tratados como mercadoria.

Nesse sentido, acho importante que a gente entenda onde estamos nessa estrutura econômica. Por isso, mais do que se entender como consumidor consciente, o que me deixaria feliz seria ver alunos (sejam do ensino médio ou superior, de faculdade pública ou privada) compreendendo que são na verdade trabalhadores, ainda que venham atuar como profissionais liberais. Afinal o que separa alunos, professores, funcionários administrativos e gerentes dos grandes acionistas são muitos muitos zeros na conta bancária. (Acredito até que os reitores de universidades públicas e privadas sairiam na vantagem caso se engajassem em projetos que diminuam a desigualdade econômica).

Feitas essas considerações, acho que seria razoável que empresas unifiquem os comunicados feitos para acionistas, consumidores e funcionários, adotando o princípio da transparência que já exigimos do Estado. Acredito também que nós devemos escolher representantes políticos para todas as esferas do poder explicitamentemente comprometidos com políticas públicas para educação e saúde gratuitas e de qualidade, pleno emprego (a fim de evitar alta rotatividade dos funcionários), renda básica e taxação de grandes fortunas. Muitas vezes a gente tem preguiça de se engajar politicamente, mas por exemplo, demissões em massa tornaram-se mais simples com a Reforma Trabalhista de 2017, implantada pelo governo Temer.

Além disso, compreender a nossa estrutura socioeconômica exige tempo, coisa que só rico tem né? Quem de nós não está nos corres? Por isso, todo e qualquer curso (arquitetura, psicologia, engenharia, veterinária) precisa ter dentro de suas grades disciplinas que nos permitam nos organizarmos enquanto sociedade. 

Representação e realidade

Que Merleau Ponty nos salve da cegueira medieval q nos faz crer que um desenho abarca a complexidade do olhar. Ou a cegueira "moderna", que aposta as fichas na fotografia. Ou ainda a contemporânea que se esquece que cinema é magia, parte ficção, parte realidade. Me sinto um pouco asquerosa por pensar em divagações estéticas após a morte de mais de 3869 pessoas. Mas vai ver, saber pensar o olhar contribui pra entender o tamanho do absurdo que deixamos acontecer.

Nada Ortodoxa

Me sinto muito feliz por finalmente ver filmes que retratam histórias de mulheres que não tem como foco principal o encontro de um par perfeito. Nada Ortodoxa retrata a história de uma mulher que abandona uma comunidade judaica ultra-ortodoxa em Nova Iorque. Eu, que já frequentei a Igreja Universal, enquanto morava com os meus pais, me identifiquei sobremaneira.

Eu poderia falar de várias aspectos da história da protagonista, mas hoje vou me deter a crítica ao amor romântico. Várias religiões estruturam seus discursos a partir da noção de família. Embora nem todo religioso siga a risca esses valores, os mais tradicionais, tendem a colocar a constituição e consolidação da família como o principal sentido da nossa existência. Mas eu vejo muito sofrimento decorrente desse ideal. A grande maioria das pessoas ao meu redor simplesmente não conseguem atingir esse modelo, e muitas parecem carregar um sentimento de frustração, inadequação, impotência. Apesar da promessa de felicidade no seio familiar, vejo dor. Por isso, sempre que esses valores forem apontados como absolutos, irei me opor.

Tenho boas memórias da minha infância, amo e sou grata aos meus pais. Mas como acontece com boa parte dos casais heterossexuais que posso observar, haviam muitas confusões entre eles. Acho sensível falar sobre isso, mas a verdade é que eles não precisariam se envergonhar, porque embora muitas vezes nos façam acreditar que casais conflituosos sejam exceção, na verdade são regra. Qualquer ida ao espaço público onde você se deixe observar como as pessoas se portam, evidencia isso.

Apesar dessa vivência, ao longo da adolescência eu desejava encontrar a alma gêmea. É que afastada do mundo real, eu achava que minha vida era exceção. Com 15 anos de idade a gente não sabe muito sobre o mundo e as famílias tradicionais contribuem para nos manter alheias. Uma família católica não é tão radical quanto uma judia ultra-ortodoxa, afinal as católicas até podem usar calça... Mas na essência as opressões são bem similares. Persistem: o controle sobre a aparência, a objetificação, a sexualização precoce. A gente acaba introjetando uma série de controles, a ponto de acharmos que realmente vamos morrer se rompermos os limites.

Para mim não houve felicidade no amor romântico. O que me permitiu ter felicidade genuína foi estudar. Apesar de ter nascido mulher, nasci branca, o que me poupou de uma série de estresses. Sou grata pela oportunidade ter me graduado e pós-graduado, o que me permite gozar de um "teto todo meu". Nesse cenário é até possível construir uma parceria afetiva. Parceria na qual escolho estar a cada dia por amor e não para satisfazer anseios familiares, a sociedade ou para pagar minhas contas.

The Social Dilemma

Assistimos "The Social Dilemma". Achei um documentário importante por mostrar como a ausência de regulamentação da indústria da internet pode ser danosa para nós enquanto sociedade. Além disso, concordo que grandes corporações devem ser responsabilizadas pelos impactos que causam a coletividade, afinal extrair lucro mediante o sofrimento alheio não deve ser tolerado.

Por outro lado achei o doc um pouco "egocêntrico" como se o nosso problema maior atualmente fosse de fato as redes sociais e não uma sociedade orientada para o consumo. Além disso, a alienação não é inaugurada pela internet, a subtração do ócio, a criação da TV, já contribuíam com isso há muito tempo.

Parece-me que o subtexto na verdade é "façamos a revolução antes que a massa faça". Homens brancos e ricos usam o documentário para fazer um alerta parcialmente verdadeiro mas não colocam como pauta o rompimento radical com o sistema capitalista. Nesse sentido, sou até contra a proposta que alguns fazem de simplesmente abandonarmos as redes para não sermos manipulados pelo capital. Fora da internet continuamos expostos a publicidade, marcas e gatilhos para consumo.

Nesse mesmo blog onde você está agora, relato um período que passei fora do Facebook, que era meu grande ralo de tempo na época. Porém, alguns anos depois quando vieram as nossas polarizadas eleições, percebi que ao abandonar a rede deixei de dialogar com a minha comunidade virtual e outras pessoas com valores um tanto duvidosos tomaram esse lugar. Por tanto, sigo com o ensinamento de Certau, a gente precisa  atuar como cupins. Enquanto não temos a opção de uma saída real do sistema, vamos corroer ele por dentro. Usemos as redes para construir nossos discursos! 

Concerto

Não faz parte do meu cotidiano ir a concertos. Eu poderia narrar aqui cada uma das vezes que fui a um. Foram poucos, portanto me lembro nitidamente dos dias. Se duvidar, digo até como eu estava vestida.

A primeira vez, fui ver a orquestra sinfônica de São Paulo, no Teatro Deodoro, em Maceió. Usei uma saia de malha preta, com pequenas estampas brancas e uma blusa, também preta. Acho engraçado conseguir descrever o modo como eu me trajava no dia. Isso só é possível porque toda a cena está vívida na minha mente.

Fui sozinha e sentei ao lado de um senhor que fazia parte da empresa patrocinadora do espetáculo. Se não me engano, ele era da Sony. Me confessou estar acompanhando a turnê Brasil afora. Ele não compartilhava da minha ansiedade de ver uma sinfônica pela primeira vez. Já tinha se acostumado. Eu, ao contrário, estava ali pela primeira vez e felicíssima.

Apesar de toda minha expectativa, esqueci qual foi o repertório do dia. Mas me recordo da comoção de ouvir os vários instrumentos soando juntos. De como a música preenchia o teatro. Preenchia meus ouvidos. Da comoção geral. Da platéia aplaudindo efusivamente.

É uma memória agradável.

Mas o engraçado de tudo isso é como essa cena surge na minha cabeça (e o que me fez escrever essa crônica). Quando vou escrever algo como "preciso consertar a tela do meu celular" e vem a dúvida "consertar, de arrumar, ajeitar, é com cê ou com esse?", eu lembro dos vários instrumentos soando em conjunto, em harmonia, em concerto. A palavra concerto, surge clara, em letras pretas. Concerto com "c".

O outro é ao contrário: conserto, com "s". Lembro de uma oficina com sons incômodos. Martelo batendo, o serrote cortando um pedaço de madeira...

Inflação da escrita

Vejo as pessoas ansiosas para escreverem artigos acadêmicos. Ansiosas para baterem metas numéricas: dez ou três artigos por ano? Publicar em espaços que proporcionem maior pontuação. Mas também vejo as mesmas pessoas a dizer: faz tempo que não consigo ler um livro por lazer. Não tenho tempo para dormir, tomar um chope, ver um filme. Será que sobra tempo pra namorar? E pra olhar pra o teto ouvindo música?

Nessa de dizer que precisam urgentemente escrever, nunca falam sobre seus temas, suas indagações, aquilo que lhes inquieta. Escrevem para publicar, não para serem lidos. Eu mesma não tive tempo de ler a monografia dos meus amigos de mestrado. Nem eles a minha. Muito se fala que o homem moderno não é culto, que perdemos o hábito da leitura. Pudera... Ainda somos máquina na era da informação.

Temos que produzir. Pensar é secundário. Divertir-se é secundário. Descansar é secundário. Escrevemos mais que nossa capacidade de ler e digerir. Dedicamos mais horas a escrita do que a leitura. E sem sorver o mundo, vamos escrever sobre o que? Sobre a escrita? Sobre o que já foi dito, apenas milimetricamente modificado? Assim como o silêncio, seria preciso apreciar a ausência da escrita. Nenhum teclado sendo dedilhado. Silêncio. No hay escrita.

Política

Eu tinha pensado em escrever sobre a situação política no Brasil, mas acabei perdendo a vontade. Logo após a repercussão da condução coercitiva de Lula e o desdobrar dos fatos, com pessoas indo as ruas, parecia que o Brasil tinha saído da inércia. Mas agora parece que tudo voltou ao estado de sempre. Saiu a lista da Odebrecht e ao invés de uma nova tomada da rua, voltou a tradicional rabugentisse facebookiana: não se salva um político no Brasil. E apesar do frequente "deveríamos nos unir contra essa corrupção" não vejo um movimento além desse comentário. Ver esse cenário me lembra porque abandonei essa rede social. Me parece que houve protesto contra a rede globo, mas nada que tenha sensibilizado fortemente as massas. Parece que agora vamos assistir a um bizarro processo de impeachment xingando ou aplaudindo virtualmente, mas apenas como expectadores, como se os rumos da política não nos dissesse respeito.

Elefante Branco

Fazia muito tempo que eu havia baixado esse filme. Tenho me interessado pelo cinema argentino. Mas até então havia assistido filmes onde predomina o humor. Em elefante branco não há espaço para o riso. Apesar das belas paisagens, não há também espaço para o encantamento. A situação retratada é tristemente real: a comunidade e uma paróquia buscam dar uso a um gigantesco hospital, cuja construção foi largada no meio do caminho.

A favela, com suas casas precárias, além de sofrer com o abandono das autoridades, fica no meio de uma guerra entre dois grupos de traficantes. Curiosamente, o nome da favela é "cidade oculta". Diante dessa lastimável realidade, o que mais me chamou atenção no filme é a alternância entre o cenário da favela e os suntuosos espaços da igreja católicas, por revezes revestidos por ouro.

Por fim, o filme nos toca através de seus personagens: humanos, falhos e sobretudo cansados.

Se Elefante Branco não nos deixa feliz, se não renova nossas esperanças, é um filme necessário.

E se não tivesse avião?

Depois de velha, passei a ter uns medos bobos. Medo de elevador e avião. Quando eu era criança eu adorava viajar de avião. Gostava da carreira antes da decolagem, da comida e de finalmente desembarcar nas férias. Viajar de férias era promessa de diversão. Na volta, a saudade de casa tornava a viagem uma promessa de reecontrar o aconchego de casa. There is no place like home.

Não sei exatamente quando comecei a ter medo de avião. De repente os barulhos me assustavam, o chão parecia mais quente que o normal e bastava uma turbulência pra eu achar que íamos cair.

Talvez o medo tenha vindo naquele dia que o avião arremeteu chegando em Brasília. Ficamos rodando no ar. Ninguém falava nada, nem respirava. Até a aeromoça explicar a situação acho que estávamos todos com medo da morte. Todos rezando, cristãos e ateus.

Ando cansada desse medo. Quero ainda fazer viagens maiores. Imagina passar 12 horas com medo? Tensa? Ansiosa pela chegada? Se drogar é sempre uma alternativa, mas não gosto muito dessa solução, prefiro ficar lúcida. Pensando nas viagens que quero fazer e no medo de avião, me veio a ideia "e se não existisse avião?".

Se não existisse avião, pensei primeiro, as pessoas teriam muito mais trabalho pra visitar seus parentes. Mas por que a gente se espalha tanto pelo mundo? Eu tenho família quase no Brasil inteiro: Nordeste, Centro-oeste, Sudeste. Fiquei pensando que se não tivesse avião, eu talvez nunca tivesse saído do Rio de Janeiro. Pera aí! Se não tivesse avião, talvez eu nunca nascesse. Porque talvez minha mãe não teria ido passar as férias no Rio e não teria conhecido meu pai. Talvez eles não tivessem casado em Maceió e partido para o Rio.

Se não tivesse avião, talvez não teria Larissa.

Eu não tenho TV

Faz tanto tempo que não tenho televisão que me surpreendo por as pessoas se assustarem quando descobrem que eu não tenho TV.

Deixei de assistir tv de modo gradativo. Durante a graduação minha rotina era intensa e a tv compartilhada por muita gente. A linguagem e mensagem da televisão foi aos poucos deixando de fazer sentido pra mim. E falo de tv de modo amplo, seja aberta ou fechada, nacional ou internacional.

Lembro que no meu perfil do Orkut, na parte de programas de televisão eu dizia que só assistia a vídeos do YouTube, indicados por amigos.

Quando me formei, fui pra Teresina morar num quarto de hotel desativado. Até tinha tv lá, só que não funcionava. Depois de dois anos eu já estava adaptada a completa ausência dos programas de televisão na minha vida.

Fazia mestrado e "trabalhava" no Iphan. Isso ocupava boa parte das horas do meu dia. Tinha que me virar cuidando de mim e da minha "casa". Ver os amigos. E enfim, sempre tive computador para "perder tempo".

Quando vim para Recife, fui morar com Thiago, que para minha alegria também não tinha televisão em casa. Atualmente estou morando só novamente e contínuo sem tv.

Alguns me perguntam como consigo ficar sozinha no silêncio. Bom, o silêncio não é necessariamente perturbador para mim. Eu inclusive aprecio e sinto falta do silêncio. Por outro lado, como tenho computador e celular, há sempre a possibilidade de ouvir músicas.

Outra questão comum é como faço para me manter informada. Particularmente não acredito na televisão como melhor meio de informação. Leio blogs, portais de notícias, converso com as pessoas na rua.

Sou feliz sem televisão e pretendo continuar assim.

Conhecendo Recife

Faz quase três anos que estou morando por aqui por Recife. A vida vai num ritmo que acabo não curtindo tanto a cidade.

Mas ando me esforçando pra mudar isso e esse foi um mês que consegui conhecer bastante coisa. Sozinha, fui no Museu do Homem do Nordeste, no Paço do Frevo.

Esse fim de semana, passei com Thiago. Visitamos o Parque 13 de Maio. Almoçamos no Central, que não foi novidade, mas valeu a pena refazer o programa e comer a mesma coisa, acompanhada de uma cerveja gelada. Conhecemos dois sebos. Arrematei um Milan Kundera e fiquei em êxtase vendo exemplares da década de 1930. Se o dia terminasse assim, eu já estaria feliz.

Mas quando votamos para casa vi que Permanência, filme que eu estava com vontade de ver estava passando no cine São Luiz. Faz muito tempo que esse lugar está na minha lista mental de lugares pra visitar. Estávamos cansados, mas mesmo assim Thiago topou e lá fomos nós visitar mais um recanto recifense.

Foi maravilhoso! O cine São Luiz comove de tão bonito.

Pra terminar o dia, nada como um crepe no Montmartre. Outro velho conhecido que sempre vale a pena repetir.

Amantes passageiros

Mais um filme típico de Almodóvar. Uma comédia nonsense de cores vibrantes.

A situação é improvável, uma distração dos funcionários em terra fez emperrar o trilho de pouso. Resultado: os pilotos precisarão fazer um pouso emergencial, em uma pista totalmente livre.

Prevendo que informar a tripulação sobre o caso poderia causar pânico, os comissários resolvem a questão de forma eficiente e imoral: dopam toda a classe econômica.

Como os passageiros da classe econômica dormem o filme inteiro, a maior parte das cenas se passam na primeira classe, na ala dos comissários e na cabine dos pilotos.

É um enredo divertido e inusitado.

Her

Fiquei apaixonada pelas cores do poster do filme. Criei a expectativa de cenas cheias de contrastes cromáticos. Embora o filme tenha uma paleta própria, com "candy colors", as cenas não me pareceram tão ricas no quesito cor.

"O fabuloso destino de Amelie Poulain" foi um dos primeiros filmes onde comecei a prestar atenção como algumas cenas do cinema parecem quadros cuidadosamente coloridos. "Grande hotel Budapeste" é outra paixão minha. Não encontrei esse primor em Her. As "candy colors" pareceram estar no filme para compor um futuro hipster. Os cenários e o vestuário pareciam com o mundo do Pinterest.

Sobre a história em si, posso dizer que seu mérito é nos fazer refletir sobre o que procuramos nas nossas relações amorosas.

Blind

É uma história sobre uma mulher que perdeu a visão e um pouco do gosto pela vida. A personagem não se sente preparada para enfrentar a rua. Passa seus dias em casa, escrevendo um romance.

Apesar de ter gostado do filme, ele não me impactou tanto. Já se passaram alguns dias que assisti e a lembrança do filme está bastante difusa.

Lars and the real girl

Num primeiro momento achei que seria mais um filme onde tenta se mostrar que não existe mulher perfeita. Por causa do título em português ("A garota ideal"), associei a alguns filmes que já assisti ("Her", "A mulher invisível" e "A namorada perfeita"). Fui convecida de que o filme não seguia essa linha e resolvi assiti-lo.

Me comovi com a história. Na verdade, o filme conta as dificuldades de um homem que sofreu traumas de infância (quem não sofreu?) e não consegue se relacionar com as pessoas "normalmente". O toque lhe incomoda muito! Mas apesar das suas dificuldades Lars é um rapaz dócil e atencioso, muito querido pelos que estão a sua volta.

Em determinado momento, Lars compra uma boneca inflável e a apresenta como sua namorada ao seu irmão e sua cunhada. Através de Bianca, sua namorada de plástico, Lars consegue ampliar seu convívio com a comunidade. A princípio todos ficam pertubados com a situação, mas acabam acolhendo a loucura de Lars. É um belo filme sobre empatia e amor. Aquele filme que renova nossas esperanças e afaga nosso coração.

99 days off

Eu já havia dado um tempo no Facebook, quando um amigo me sugeriu participar do 99 days off.

99 days off foi um projeto que surgiu da polêmica em torno de pesquisas que o Facebook estaria fazendo sobre o comportamento dos usuários. O projeto nos convida a abandonar o Facebook por um pouco mais de 3 meses. Ao longo desse período os participantes respondem questionários que investigam o que muda na rotina dessas pessoas. Além disso são feitas perguntas sobre sentimentos associados ao uso ou a abstinência da rede social.

Como me senti nesse período?
O Facebook é pra mim um espaço de fuga. Um vício, semelhante ao álcool, cafeína ou fast food. Então geralmente visito a rede com mais frequência nos dias que estou mais ansiosa. A grande questão é que com esse hábito, a minha ansiedade ao invés de diminuir aumenta. Provavelmente, porque ao invés de resolver meus problemas estou me distraindo.

No fim das contas, os três meses passaram mais rápido do que eu esperava. E como com todo vício, o mais difícil foram os primeiros dias. Agora que voltei, já desperdicei horas  preciosas.

Muitas vezes a gente resume a nossa navegação na internet ao Facebook, mas existe internet fora do FB. Existem também outros meios de se comunicar com os amigos. E nem tudo precisa ser compartilhado, no exato momento que se pensa ou se vive. Uma certa vagarosidade me faz bem.

De todo jeito senti falta das pessoas queridas que só tenho notícia por aqui. Estou de volta por um tempo, mas deixo o convite pra quem quiser fazer essa experiência, vale a pena.

Mundo Virtual

Ao mesmo tempo que me sinto mais leve sem usar redes sociais eu perdi um dos espaços onde descarregava minha ansiedade. Era muito comum que o pouco de tempo que tinha pra ficar parada me gerasse a vontade de checar o Instagram ou o Facebook. Imaginava que perderia só uns minutinhos, mas não rara às vezes eu acordava quando fazia ao menos uma hora que havia mergulhado nesse buraco sem fundo que é o Facebook.

A atmosfera do Facebook é caótica. Lamentos e propagandas disputam espaço na nossa mente. Algumas poucas mensagens de afeto ou curiosidades interessantes servem pra nos manter ali, crentes que a ferramenta não é má, mau é o seu uso. Já advoguei esse ponto de vista. Mas depois de inúmeras vezes tentando fazer um uso "saudável" do Facebook, começo a achar que a ferramenta é má mesmo. Assim são como as drogas, que embora possam nos trazer prazer e benefícios momentâneos, tendem a fragilizar nossa saúde. 

Outro efeito negativo que consigo notar nessas redes é a capacidade de nos manter flutuando, longe da realidade. No mundo virtual tudo é simulacro, ainda que existam com base em objetos reais. Para quem tem facilidade pra viver no mundo das idéias, a ligação compulsiva com o mundo virtual nos distancia ainda mais da terra.

Conheço muita gente com dificuldade de olhar dentro dos olhos do outro. Em compensação, esses olhos parecem não se cansar do brilho artificial das telas dos smartphones.

Pedido

Deus me dê forças para eu seguir meu caminho. Ilumine meus passos. Ajude-me a encontrar felicidade e a fazer as pessoas ao meu redor mais alegres. Que a raiva não perdure no meu corpo. Que a minha mente não se ocupe com mágoas. Que as tristezas me tornem mais forte, mas que minha ternura não se perca.

Amém!

Rubem Alves

Conheci Rubem Alves quando estava na faculdade. Fazia parte de um grupo de estudos sobre conforto ambiental e andava muito orgulhosa de ter sido classificada como "pesquisadora". O professor líder do grupo pediu que léssemos "Filosofia da Ciência" para discutirmos em grupo. Com linguagem lúdica e um texto carinhoso, Rubem nos apresenta os jogos da Ciência e dismitifica a soberania desse tipo de conhecimento. Um ótimo livro para abalar as certezas de jovens aspirantes a cientistas.

Numa conversa com o meu psicologo de então acerca do tal livro, descobri que Rubem Alves se interessava por escrever sobre diversos assuntos. E talvez seu mais belo texto, tenha sido aquele dedicado a sua filha, "A menina e o pássaro encantado". A fábula fora escrita para ensinar a pequenina a lidar com a saudade. Mas suas palavras tornaram-se livres e falaram também das saudades dos grandes e dos amantes.

A essa altura havia me apaixando por Rubem. Encontrava nele ternura e sabedoria. O próximo livro que tive prazer de conhecer foi "Ostra feliz não faz pérola". Somente o título já é uma lição e tanto. O volume é repleto de historietas leves sobre diversos aspectos da vida, desde o amor até a morte.

Thiago, conhecendo bem minha paixão me presenteou no Natal com "Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo". Outro título perspicaz. Nesse livro Rubem está mais velho, talvez não tão doce quanto nos outros onde o conheci. Um tanto mais apimentado! (Perdão pelo trocadilho infame...). Foi a última vez que li Rubem.

Ler, viver e escrever

Eu não saberia apresentar caminhos para alguém escrever tal como Machado de Assis, Saramago ou Borges. Tão pouco acho que precisemos de um Drummond a cada esquina. Precisamos aprender como nos comunicar. Escrever de forma clara, concisa e eficaz. E o que posso oferecer é a minha vivência sobre a leitura e a escrita.

Me deleito ao ler certos autores. Sou apaixonada por vários escritores, a ponto de ter causado ciúmes nos meus namorados. Mas nem por isso concordo que devemos nos dedicar a leitura simplesmente pra engrossar estatísticas. Muitos brasileiros, portadores da famosa síndrome de vira-lata se ressentem porque nossa média livros/ano está muito aquém das médias estrangeiras. Os nostálgicos reclamam que as pessoas não lêem mais livros e por isso estão emburrecendo.

Para que serve a leitura afinal? Para nos por em contato com o conhecimento e a experiência de outras pessoas. O que é muito válido! Mas experimentar o mundo através da leitura não é o mesmo que experimentar o mundo por si.

Eu particularmente, não troco mais a vida por livros. Já fiz isso muito, porém tenho que confessar que sentir o sol aquecer minha pele, mergulhar no mar, contemplar os golfinhos me trazem uma alegria mais transformadora do que a leitura. Pintar também. Quando pinto tenho sensações místicas, encontro o meu âmago, me sinto livre e potente. Termino leve.

Quando me entrego a vida, construo experiências que valem a pena ser relatadas, crio ideias que valem a pena serem narradas. Posso oferecer aos amigos uma visão particular do mundo e posso fazer isso através da escrita. É aí que sento, liberto as palavras, escrevo, edito, imagino meu leitor passeando pelas minhas linhas. E quando entendem minha mensagem, o prazer é grande.

Português não é difícil, Machado de Assis também não

Eu e minha experiência com livros: infância

Eu sempre gostei muito de ler. Minha história é simples: filha única, pais protetores, o hábito da leitura fazia parte do cotidiano da família. Sozinha no quarto, ler era uma diversão. Durante uma boa parte da minha infância a programação de domingo era ir ao shopping, chegando lá seguir para livraria e ficar por horas. Daí se tem uma coisa que não posso reclamar da criação que meus pais me deram, é do incentivo à leitura.

Na primeira série eu já tinha o meu próprio Dicionário Aurélio, ilustrado pelo Ziraldo. Minha Primeira Enciclopédia Larousse, uma versão fartamente ilustrada e com textos compactos. Assim que o Darcy Ribeiro lançou seu livro voltado para o público infantil, também ilustrado pelo Ziraldo, meu pai não titubeou em me presentear. Aprendi com ele, o Darcy, a desconfiar dos sabidos demais e ter um pé atrás com cientistas que sabem "tudo sobre nada".

Me lembro da minha mãe me corrigir quando eu contei para meu avô que "essa semana terminei de ler Dom Quixote". "Ela leu foi uma versão infato-juvenil". Meu avô ficou mais sossegado, eu ainda tinha chances de ser uma criança normalzinha, apesar das invenciones dos meus pais. Isso deve ter sido quando eu estava na quarta-série.

Na quinta-série descobri a série vagalume, e a capa de Escaravelho do Diabo nunca esmaeceu da minha mente. O enredo, por sua vez, foi-se faz tempo. Se não erro as contas, na sexta-série aconteceu o evento que sempre conto para atestar que eu era uma criança para lá de comportada. Meu pai me deixou de castigo, e como não restava muita coisa para me proibir, me deixou sem o direito de terminar de ler um livro de contos de Machado de Assis. Foi assim que conheci o contista, mais famoso por seus romances, e sua capitu olhos de ressaca. Era ressaca como a do mar de Copacabana ou de cachaça? Na sexta-série, para mim a única possibilidade de acepção da palavra era a do mar agitado. Capitu dos olhos revoltos.

Depois, mudei-me para casa da minha avó e descobri o tesouro: a coleção completinha de Machado de Assis. Um paraíso. Texto originalíssimo, como diria o personagem de Dom Casmurro. Original do tempo do meu avô.


Eu e minha experiência com livros: o aprendizado de uma nova língua

Durante a faculdade fui aprender uma nova língua, inglês. Tive a excelente oportunidade de estudar na Casa de Cultura Britânica, da Ufal. Como material didático, livros da Oxford. E qual era o material de apoio? Clássicos literários da língua inglesa. Mas é claro, adaptados para estudantes. Li Shakespeare e Conan Doyle como se tivessem sido escritos para um britânico de 5 anos de idade. E foi ótimo para me ajudar a entender a lígua.



Eu e minha opinião sobre a adaptação de Machado de Assis publicada pelo MEC

Descrevi um pouco da minha experiência com livros, por ter a recordação de que textos adaptados para o universo infantil, ou simplificados para os que aprendem uma língua, fizeram parte da construção do meu gosto pela leitura. Daí eu me pergunto: por que raios esse estardalhaço pelo MEC ter publicado uma versão de Machado adaptada por uma escritora infanto-juvenil? 

Desde que seja sinalizado, como é o caso da publicação do MEC, não consigo enxergar nenhum problema nessa adaptação e nem nehum fato novo nessa medida. Adaptar livros para uma linguagem contemporânea ou mais simplificada pode ser sim, uma forma de cativar uma pessoa para o hábito da leitura. Uma vez que esse cidadão se tornar um leitor experiente, ele pode, por conta própria, mergulhar no universo dos livros e buscar textos mais complexos ou com linguagem mais rebuscada.

Machado de Assis não escolheu cada uma das palavras de seus livros a toa. Mudar as palavras, cortar partes, inserir notas de rodapé, distorcem a obra original. Mas um autor com uma obra tão primorosa não vai ser destruído por ter sido reapropriado por outras pessoas. Para um leitor costumaz, um texto de Machado de Assis não é um enigma indecifrável, mas para quem apenas começou a se aventurar pelas bibliotecas e livrarias, Machado é sim um tantinho complicado.

Inflação

Estarrecida. Definitivamente o governo precisa investir em mais educação, para ver se a gente aprende a fazer conta e ler.

Vejo as pessoas reclamando da inflação no Brasil. Daí ouvi o Lula defendendo a nossa situação financeira, afinal a nossa inflação não é nada perto da que existia quando ele era do sindicato,e tínhamos uma inflação de 80%.

Daí eu pensei: porra Lula, gosto de você, mas aí cê tá de brincadeira.

Numa googlada rápida, dois textos me mostram que ele não tá falando bobagem.

Em 1989, quando eu era um bebê, a inflação de um mês chegou a 50%.

O ano passado o Brasil fechou com a inflação máxima de 5,91%.

Mesmo que seja fácil confundir inflação máxima, com inflação anual e inflação mensal (afinal boa parte dos meus contatos não é economista, devo ter no máximo 3 amigos economistas rs) é difícil fazer parecer que nossa inflação tá tão ruim assim.

Ademais, lembro dos meus pais falando de precisar estocar artigos de supermercado em casa, pq cada vez que iam no supermercado as coisas tinha mudado absurdamente de preço. O dado do artigo, bate com a memória dos meus pais. Eu não posso relatar nada porque em 89 era um bebê de 2 anos de idade.

Minhas fontes:
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/rec/REC%201/REC_1.1_03_Inflacao_brasileira_os_ensinamentos_desde_a_crise_dos_anos_30.pdf

http://www.febraban.org.br/7rof7swg6qmyvwjcfwf7i0asdf9jyv/sitefebraban/3a_tendencias.pdf

http://economia.ig.com.br/2014-01-10/inflacao-oficial-fecha-2013-em-591-dentro-da-meta-do-governo.html

Greve da PM, Recife, 2014

Terça-feira

Ontem, dia 15 de maio de 2014, uma quinta-feira, foi um dia atípico em Recife.

Na verdade as coisas teriam começado na terça-feira a noite. No fim da aula, Joana e Marina haviam me perguntado se a faculdade funcionaria normalmente no dia seguinte já que a polícia militar iria entrar em greve. Entendi que essas alunas estivessem em alerta com a segurança, afinal, umas duas aulas atrás me contaram que Marina foi assaltada ao sair da faculdade. E olha que a polícia não estava em greve.

Quando cheguei perto da meia noite em Recife, peguei um táxi para ir para casa. O taxista falou que a polícia ia entrar em greve e que já havia boatos de assalto pela cidade. Pedi para ele fechar os vidros e me deixar na porta do prédio ao invés de ficar na rua como normalmente faço. Na dúvida, é melhor se resguardar.


Quarta-feira

Na quarta-feira, dei normalmente minha aula pela manhã. Quando cheguei no escritório, Thiago, desprentenciosamente me avisou por whats app "esqueci de avisar, mas fica alerta, porque a polícia tá em greve". Não dei muita bola, até que meu chefe me disse que haviam boatos de arrastão. E o pior: a Av. Agamenom Magalhães estava vazia, deserta, como se fosse feriado.

Na dúvida, é melhor se resguardar. Achei melhor ir para casa e de lá decidir se trabalharia a noite ou não. Afinal, dependo de táxi para ir embora da faculdade e como o taxista de ontem a noite tava meio assustado, fiquei com medo de não ter um transporte "seguro" para voltar para casa.

A princípio, eu voltava a pé, até que um dia tomei um susto na rua. A rua deserta, eu andava tensa, observando o homem que caminhava a minha frente. De repente, ele para em um orelhão (quem usa orelhão nos dias de hoje?) e depois começa a andar na minha direção.  Atravessei a rua, quase me jogando na frente dos carros e fui ficar perto de dois outros homens, que aparentavam ser "cidadãos de bem" (o porteiro de um prédio e um entregador de qualquer coisa). Esperei que aparecessem pessoas na rua para seguir minha caminhada um pouco mais "segura". Acompanhei uma mulher que também andava assustada. A moça prentedia pegar ônibus em um ponto, mas desistiu porque a rua estava deserta. Seguimos juntas e ela procurou um ponto mais movimentado.

Por precaução, mas me sentindo uma medrosa, cancelei a aula e tentei avisar os alunos com atencedência para que eles não dessem viagem perdida. Pouco depois, as aulas foram oficialmente canceladas.

Mas é importante lembrar, que fora da greve, vez o outra as aulas da noite não acontecem por outros problemas urbanos: fortes chuvas, trânsito e... jogo de futebol. A primeira vez que dei aula em dia de jogo na Ilha, fiquei achando que minha aula era entendiante, quando repentinamente os alunos levantaram e disseram "professora a gente não pode esperar mais, a torcida deve tá saindo do estádio". Pensei que fosse desculpa para ir embora, mas fiquei sabendo na sala dos professores que isso era "o normal" em dia de jogo.

Depois fiquei sabendo dessa normalidade por experiência própria, quando cruzei com a torcida numa rua desértica e fiquei estática e pálida com aquela sensação de "é agora que vou ser assaltada".


Quinta-feira

Na luz do dia me sinto mais segura. Então, achei que o normal seria ir dar aula. Cheguei na faculdade e a percebi um pouco vazia. As luzes não estavam todas acesas e comecei a me dar conta que talvez os alunos não tivessem ido para aula. Cheguei no andar da minha sala, estava silencioso, as salas vazias. Na minha sala porém, haviam alguns alunos. Estavam lá para entregar o trabalho que valia nota. Mudei a ordem da aula para priorizar o indispensável e encerrar o assunto antes das 10 horas. 10 horas estava marcado o protesto da PM nas vizinhanças da faculdade. "Protesto de PM, eu tenho é medo, que os caras vão tudo armado", disseram.

Fim da aula, fui verificar se haveria aula a noite e cheguei a conclusão que o dono da faculdade anda de helicóptero, mas eu e os alunos não. Então talvez fosse mais prudente ficarmos em casa de noite. Na dúvida, é melhor se resguardar.

Como ainda era dia, achei de ir para o escritório a pé. Senti a cidade estranha e não sabia se era o medo que me fazia achar que as coisas não estavam normais. Mas um sinal de anormalidade é que as lojas estavam com o suporte da porta de rolar, como se estivessem preparadas para fechar a qualquer momento, o mais rápido possível. A rua estava deserta como num domingo.

Meu chefe soube de uma boato de arrastão nas ruas onde há faculdades e movimento de estudantes de classe média. Na dúvida, é melhor se resguardar. E lá foi ele pegar seus filhos na escola e lá fui eu para minha casa, novamente, com medo.

Como é costume nosso, não importa o que está acontecendo, fazemos piadas. Eu ria, mas sentia que era um riso nervoso. Boatos e notícias se misturavam nos jornais e redes sociais. Sirenes a todo momento, carros do exército cruzando minha rua. Helicoptero sobrevoando a cidade. 5 horas da tarde a cidade estava tão deserta como se fosse 5 da manhã.

Às 8 e pouco da noite, veio a notícia de que a greve havia acabado. Tudo voltou ao "normal" e já podemos ir para a rua e nos sentirmos seguros novamente.

Globalização

Ganhei um chaveiro novo. Substitui o chaveiro arranhado vindo de São Francisco por um da Suécia.

Hoje a moça da limpeza ia me entregando a chave de um vizinho:

"é que seus chaveiros são muito parecidos".

Quando vi de relance o chaveiro do vizinho, idêntico ao meu, pensei que ele tinha visitado a Suécia.

Mas o dele veio do continente do outro lado do mar, de New York...

Ou quem sabe, vieram mesmo, todos eles, da China.

Vol-au-vent

Eu uso as ocorrências do google como padrão de qualidade. Se não tem no google é porque a pessoa tirou a expressão da cabeça dela... É um voo solo.

Ostentação

Tava na fila do táxi em frente ao shopping. Um grupo, todos vestidos com bonitas roupas, conversava efusivamente. Reclamavam que o preço da taça de vinho do porto era muito caro. No meio da história um senhor emendou outra, sobre uma viagem que fez a Paris e um jantar de 700 reais.

Eu fico cá pensando que tem alguma coisa muito errada quando um trabalhador passa oito horas diárias suando para sustentar os filhos e ao fim de um mês recebe menos que um outro senhor gasta em uma única refeição.

Monet em rede

Monet posta no instagram um in progress das Ninféias. Alguém comenta:

"E aquele outro quadro que tu me mostrou, acabou?"

"Que nada! Me arretei e taquei fogo."

Transporte público urbano 3

Tô indo ali numa empresa de segurança. Perdi meu emprego porque dei um murro num colega. Fazia semanas que ele ficava tirando onda comigo. Eu pedi pra ele parar. Mas ele continuou. Eu falando pra ele não fazer isso e ele zuando. Dizendo que eu parecia o Timão, do Timão e Pumba. Pô, não ri não. Isso é bullying.

(Risos)

Eu disse pra o chefe que era bullying. O cara faz de tudo pra não perder o emprego.

Eu sabia que ia dar merda. Mas não me aguentei. Tô levando os documentos lá nessa empresa pra ver se eles me aceitam. Não sei se vai rolar, mas to levando os documentos.

P.S.: Eu disse para ele fazer um esporte, para trabalhar essa agressividade. Ele respondeu que já fazia. Fazia jiu-jitsu, conhece?

Arte

- Como vão os quadros?

- Ah, outro dia pintei um no domingo. Uns peixes psicodélicos. Mas ficou bonito mesmo. Quando eu terminei chega sentei e fiquei admirando. Daí trouxe pra cá no dia seguinte. Um cliente chegou pra mim e disse: "pode tirar esse aviso aí de vende-se". Levou no mesmo dia que botei pra vender.

- Você usa tinta a óleo ou acrílica?

- A óleo... Porque ela é mágica.

O taxista e os médicos cubanos

O taxista olhou para os ônibus parados na Conde da Boa Vista.

Quando vejo essas coisas fico logo pensando que é protesto. Sexta-feira mesmo, teve um, sabia? Agora os médicos também tão dizendo que vão protestar, por causa desses médicos que tão vindo aí. Mas vou dizer uma coisa para senhora, eu não estudei não... não tive oportunidade, nasci no interior, entende? Mas ó, eu vou dizer... O pessoal fica falando que esse médicos não vão dar certo, porque não vão conseguir se comunicar, mas acho que isso não tem nada a ver. Porque a gente se adapta sabe? Isso é o mais fácil...

Eu tenho um minino. Um menino não, mas falo menino porque é assim, o filho da gente é sempre criança. E aí ele tinha uma doença que médico ninhum dava jeito. Médico ninhum. Ó, eu mandei ele até pra São Paulo, porque eu tenho uma filha que mora lá. Ele foi, voltou. E nada! Aí um médico aqui em Recife, que falava meio diferente, falava assim com aquele jeito que você vê que não é daqui do Brasil, sabe? Ele que curou o rapaz. Agora meu minino tá bonzinho, tá com 37 anos. Eu falo que ele não era daqui pelo sotaque, diferente.

Acho bobagem essas reclamações. Se é pra ajudar, deixa os médicos virem!

Sistemas Referenciais 2

- O senhor sabe dizer onde fica tal lugar?

- Nessa rua mesmo, depois da quarta árvore. Só contar.

- Depois de que?

- Da quarta árvore?

- Árvore?

- Pois é, um novo ponto de referência.

Transporte Público Urbano 2

Enquanto esperava o ônibus, me assustei com um barulho. Um moleque havia dado um soco no ponto de ônibus e falava coisas dispersas. Parecia estar fora de si. O ônibus chegou e para meu desagrado o menino subiu pela porta de trás, ainda falando coisas dispersas como se estivesse fora de si. "Mal vestido" como ele estava, com aparência de pessoa "da rua" tive medo e procurei um lugar mais longe.

Comecei a pensar na vida. Esqueci do indivíduo.

Obrigado motô! Desceu o rapaz. O alívio foi geral. Assim que ele desceu as poucas pessoas no ônibus confessaram como estavam com medo de serem assaltadas. Dizia uma senhora: ele estava nitidamente drogado, um perigo.

Questão semântica

O estudante de arquitetura indaga ao telefone:

- Vocês têm pastel a óleo?
- Nem pastel de óleo, nem pastel de forno, esse número é de uma papelaria.

Galeano fala sobre arte

- Qual você acha que é, hoje em dia, nesse mundo, a função da literatura, a função da arte?

- A verdade é que é muito difícil dar uma resposta que não soe pedante ou arrogante. Ou que não pareça que a gente atribui aos artistas uma função privilegiada no mundo. Como se Deus nos beijou no berço e nos escolheu para salvar os demais. Não creio nisso para nada. Não creio em nenhum tipo de aristocracia, nem na do talento, ainda mais quando a aristocracia do talento é auto-eleita. Porque somos nós, os literatos, os artistas em geral, que no zoológico humano habitamos a jaula dos pavões. Então ficamos continuamente nos

Infortúnio

Paguei duas vezes por um doce de leite, açucarado além da conta. Quando quero comer, sequer consigo abrir a tampa.

Cartas

A primeira lembrança que tenho de receber uma carta do meu avô eu era bem pequena. Tinha... sei lá... uns 5 anos, mal sabia ler. Era um postal de Veneza, com uma gôndola e personagens da Disney. Fiquei muito feliz de saber que o vovô enquanto se divertia, lembrava-se de mim.

Aos 13 anos fui morar longe dele. Vez ou outra trocamos cartas. Não é porque meu avô seja idoso e não

Não me dê um caderno verde

Nunca me dê um caderno verde. Nem com pautas. Desculpa. Eu entendo o seu carinho, mas um caderno assim não serve de nada para mim. Meus cadernos são para desenhar. Mesmo os de estudo, eventualmente vão ter um rabisco ou um croqui.

Só que na verdade não é o desenho em si que me atrai. Eu gosto de colorir, de subverter as cores. De pintar pessoas de azul, os cabelos de verde, os lábios de roxo. Gosto de céus amarelos, nuvens vermelhas. E o caderno verde já vem com cor. Não dá certo.

Eu posso até tentar fazer um desenho ou outro numa folha colorida. Mas quando eu penso que vou viajar e só tenho um caderno verde para levar, fico triste.

É assim, sou filha única e quando criança aprendi a vencer a solidão desenhando. Então por favor, quero folhas brancas.

História (inventada) de taxista

A gente pega cada passageiro, que daria um livro só de história de passageiro. Outro dia entrou uma mulher tão eufórica no carro que fiquei com medo dela me dar um beijo ou sei lá. Ficou falando que passou uns 2 anos que a vida dela era só dissertação dissertação dissertação. Que agora tudo isso tava bem perto de acabar, que ia viajar para o Rio de Janeiro defender a tal dissertação sobre Teresina. Eu não entendi foi o que ela tava fazendo no Recife. Mas nem consegui perguntar nada. Ela ficou lá falando e eu só escutando.

Curral eleitoral


Aqui vai dar na Boa Vista?
Não, não. Aí vai para a Agamenom. A Boa Vista é por ali.

Como eu estava indo por ali onde apontei, a senhora me acompanhou.

Meus créditos acabaram. Aí fiquei contrariada. Porque queria falar com a minha filha. Daí acabei errando o caminho. Saí da farmácia e errei. Mas é assim, a gente fica contrariada com essas coisas, né? Eu não acredito que ninguém viva tranquilo hoje em dia. Se a pessoa disser que é tranquilo eu duvido. Tudo deixa a

Você me deixa louca!

"Contudo, a noção de patrimônio urbano histórico, acompanhada de um projeto de conservação, nasceu na própria época de Haussmann, mas, como já vimos, na Grã Betanha, sob a pena de Ruskin." (Françoise Choay no livro A alegoria do patrimônio,  2001, p.177)

"Em muitos aspectos, especialmente quando prevê a estandartização planetária das grandes cidades, Ruskin revela uma sensibilidade de visionário. A causa que defende, porém, e que com ele e depois dele William Morris haverá de defender, não é, no sentido próprio, a da conservação de cidade e de conjuntos históricos." (Françoise Choay no livro A alegoria do patrimônio,  2001, p.182).

Vocabulário

Quando fui morar em Teresina estava quase parando do tomar refrigerante. A derradeira bebida açucarada que me livraria era a Schweppes.

Em uma lanchonete pedi:

- Tem chuépes?
- Tem o quê?!
- Chuépes.
- Hum... tem isso não moça.


Chuu - é - pes... Que palavra engraçada! O que é isso, moça?

Sustentabilidade Tupiniquim

Não sei se a história que vou contar é motivo de riso ou choro. 

Estamos nós, brasileiros, aprendendo a lidar com nossos resíduos. Vemos aqui e ali alguma campanha sobre reciclagem de lixo. Nas nossas cidades os catadores de lixo são pouco valorizados por esse serviço tão útil, trabalham informalmente e recebem uma baixa remuneração.

Hoje descobri que o flanelinha da rua do meu trabalho também atua no ramo da "coleta seletiva". Até aí, nada além do ordinário. Observei que ele tomava conta de um saco cheio de latas inteiras, enquanto que no meio da pista tinham várias latinhas de veneno-preto largadas. Como tornou-se inevitável, os carros passavam e esmagavam as latinhas. Ele catava as latinhas amassadas e jogava as latas inteiras no meio da rua. E assim ia, aproveitando a força automobilística para compactar o alumínio.

Se o nosso sistema de coleta de lixo é precário, ao menos nossos catadores são engenhosos.

O entregador de listas amarelas

Estava indo para o trabalho, caminhando pela manhã.

"Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!"

Cantarolava um entregador de listas amarelas.

Meu primo mais novo, com os seus 5 anos, não deve saber o que é uma lista amarela. Embora na casa da minha avó, tenha um exemplar embaixo da mesinha do telefone. A brochura deve estar lá desde que fui morar em Maceió, há 13 anos. 

Ironia

Eu moro na frente de um "Hospital de Fraturas". Tão ruins são as calçadas dessa cidade que qualquer dia desses, deusmelivre, me aproveito da conveniência de morar na frente de um hospital, um hospital de fraturas.


Outra ironia: ser atropelado por uma ambulância. Vez ou outra alguém larga essa em uma mesa de bar. O

Os pintores e o patrimônio cultural

Dois pintores conversam em frente a um prédio monumental:
- Disseram que esse prédio tem mais de 300 anos, rapai! Tá cacete!

Django

Como estudiosa da preservação do patrimônio cultural, achei muito simbólica a cena que Django destrói a casa-grande de Evergreen.

Português não é difícil


Português não é dirfici. Dirfici é a prenúncia e a prenúncia com tempo se adequere.

Verdade, usar a língua portuguesa de acordo com a norma culta não é difícil. Ter estudado numa boa escola, ter tido acesso a bons livros, boa alimentação, ambiente familiar bem estruturado, acolhimento maternal e fraternal, professores dedicados e tudo o mais que nos proporciona condições de aprender o saber institucional não é motivo de alarde. Se você aprendeu as normas da sintaxe, morfologia e ortografia...

O que é ser brega?

- Olha, tem gente que acha estampa de zebra brega. Mas acabei de ver ali na "Wish" a casa do Ruy Ohtake. Tem uma "chaise longue" de pele de animal, preta e branca. Um arquiteto renomado. E nem é um cara que caiu de para-quedas no mundo da arte, a mãe dele já era uma pintora conhecida quando ele entrou pra faculdade, a Tomie Ohtake.

- Ah, mas ele tá inovando. Você pode até usar o mesmo elemento, só que tem que criar algo novo, sabe? O problema do brega é que ele só tá copiando.

- Hum... Talvez...Mas... como é mesmo aquele ditado que criaram imitando o Lavosier? "Na vida nada se cria, tudo se copia".

É tudo reprodução imperfeita.