Terça-feira
Ontem, dia 15 de maio de 2014, uma quinta-feira, foi um dia atípico em Recife.
Na verdade as coisas teriam começado na terça-feira a noite. No fim da aula, Joana e Marina haviam me perguntado se a faculdade funcionaria normalmente no dia seguinte já que a polícia militar iria entrar em greve. Entendi que essas alunas estivessem em alerta com a segurança, afinal, umas duas aulas atrás me contaram que Marina foi assaltada ao sair da faculdade. E olha que a polícia não estava em greve.
Quando cheguei perto da meia noite em Recife, peguei um táxi para ir para casa. O taxista falou que a polícia ia entrar em greve e que já havia boatos de assalto pela cidade. Pedi para ele fechar os vidros e me deixar na porta do prédio ao invés de ficar na rua como normalmente faço. Na dúvida, é melhor se resguardar.
Quarta-feira
Na quarta-feira, dei normalmente minha aula pela manhã. Quando cheguei no escritório, Thiago, desprentenciosamente me avisou por
whats app "esqueci de avisar, mas fica alerta, porque a polícia tá em greve". Não dei muita bola, até que meu chefe me disse que haviam boatos de arrastão. E o pior: a Av. Agamenom Magalhães estava vazia, deserta, como se fosse feriado.
Na dúvida, é melhor se resguardar. Achei melhor ir para casa e de lá decidir se trabalharia a noite ou não. Afinal, dependo de táxi para ir embora da faculdade e como o taxista de ontem a noite tava meio assustado, fiquei com medo de não ter um transporte "seguro" para voltar para casa.
A princípio, eu voltava a pé, até que um dia tomei um susto na rua. A rua deserta, eu andava tensa, observando o homem que caminhava a minha frente. De repente, ele para em um orelhão (quem usa orelhão nos dias de hoje?) e depois começa a andar na minha direção. Atravessei a rua, quase me jogando na frente dos carros e fui ficar perto de dois outros homens, que aparentavam ser "cidadãos de bem" (o porteiro de um prédio e um entregador de qualquer coisa). Esperei que aparecessem pessoas na rua para seguir minha caminhada um pouco mais "segura". Acompanhei uma mulher que também andava assustada. A moça prentedia pegar ônibus em um ponto, mas desistiu porque a rua estava deserta. Seguimos juntas e ela procurou um ponto mais movimentado.
Por precaução, mas me sentindo uma medrosa, cancelei a aula e tentei avisar os alunos com atencedência para que eles não dessem viagem perdida. Pouco depois, as aulas foram oficialmente canceladas.
Mas é importante lembrar, que fora da greve, vez o outra as aulas da noite não acontecem por outros problemas urbanos: fortes chuvas, trânsito e... jogo de futebol. A primeira vez que dei aula em dia de jogo na Ilha, fiquei achando que minha aula era entendiante, quando repentinamente os alunos levantaram e disseram "professora a gente não pode esperar mais, a torcida deve tá saindo do estádio". Pensei que fosse desculpa para ir embora, mas fiquei sabendo na sala dos professores que isso era "o normal" em dia de jogo.
Depois fiquei sabendo dessa normalidade por experiência própria, quando cruzei com a torcida numa rua desértica e fiquei estática e pálida com aquela sensação de "é agora que vou ser assaltada".
Quinta-feira
Na luz do dia me sinto mais segura. Então, achei que o normal seria ir dar aula. Cheguei na faculdade e a percebi um pouco vazia. As luzes não estavam todas acesas e comecei a me dar conta que talvez os alunos não tivessem ido para aula. Cheguei no andar da minha sala, estava silencioso, as salas vazias. Na minha sala porém, haviam alguns alunos. Estavam lá para entregar o trabalho que valia nota. Mudei a ordem da aula para priorizar o indispensável e encerrar o assunto antes das 10 horas. 10 horas estava marcado o protesto da PM nas vizinhanças da faculdade. "Protesto de PM, eu tenho é medo, que os caras vão tudo armado", disseram.
Fim da aula, fui verificar se haveria aula a noite e cheguei a conclusão que o dono da faculdade anda de helicóptero, mas eu e os alunos não. Então talvez fosse mais prudente ficarmos em casa de noite. Na dúvida, é melhor se resguardar.
Como ainda era dia, achei de ir para o escritório a pé. Senti a cidade estranha e não sabia se era o medo que me fazia achar que as coisas não estavam normais. Mas um sinal de anormalidade é que as lojas estavam com o suporte da porta de rolar, como se estivessem preparadas para fechar a qualquer momento, o mais rápido possível. A rua estava deserta como num domingo.
Meu chefe soube de uma boato de arrastão nas ruas onde há faculdades e movimento de estudantes de classe média. Na dúvida, é melhor se resguardar. E lá foi ele pegar seus filhos na escola e lá fui eu para minha casa, novamente, com medo.
Como é costume nosso, não importa o que está acontecendo, fazemos piadas. Eu ria, mas sentia que era um riso nervoso. Boatos e notícias se misturavam nos jornais e redes sociais. Sirenes a todo momento, carros do exército cruzando minha rua. Helicoptero sobrevoando a cidade. 5 horas da tarde a cidade estava tão deserta como se fosse 5 da manhã.
Às 8 e pouco da noite, veio a notícia de que a greve havia acabado. Tudo voltou ao "normal" e já podemos ir para a rua e nos sentirmos seguros novamente.